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Daniela Guerreiro: Pintura Nua e Crua

Daniela Guerreiro é uma pintora de várias telas. Faz pintura a óleo, onde expõe uma realidade vista por poucos olhos e, mais recentemente, começou a pintar murais de grande dimensão em zonas públicas.

A Portugarte entrou em contacto com a artista para saber mais sobre o seu trabalho criativo.

Daniela Guerreiro

Sem querer gastar a palavra sob o risco de a banalizar, a verdade é que a empatia generalizada é uma das metas a atingir por todos e todas. Há, por isso, muita gente que começa a assumir a importância de nos colocarmos no lugar do outro e uma das grandes fornecedoras dessa boa energia é a arte.

A criação humana tem a capacidade de provocar pequenas revoluções individuais, facilita-nos novos alertas e dá-nos mais opções. Assim te quero introduzir o trabalho de Daniela Guerreiro, que é uma lição de emoções e de realidade, e que nos viabiliza o estado anterior à empatia: o conhecimento.

Sem saber o que nos oferece o concreto, é impossível praticarmos outras realidades. Grande parte do trabalho da Daniela Guerreiro traz doses discriminação, violência e depressão, que são temas básicos para percebermos o que se passa na nossa vizinhança e que a Daniela faz questão de nos mostrar, antes que fechemos os olhos.

“Fome do Dinheiro”, mural nos arredores de Lisboa, por Daniela Guerreiro

Daniela Guerreiro: da pintura a óleo, à arte urbana

A Daniela é algarvia, de Quarteira, onde nasceu no ano de 1992. Está a viver em Lisboa, onde se licenciou e em Pintura na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa (FBAUL), em 2015. Actualmente, trabalha no Centro Cultural de Belém, no âmbito museológico, em paralelo com o seu trabalho de pintura.

“As minhas origens artísticas começaram no Curso de Artes Visuais, na Universidade do Algarve (UALG), onde tínhamos várias disciplinas diversas, como fotografia, pintura, desenho ou história. Pouco antes de me candidatar à faculdade gostava de desenhar, mas inicialmente não se manifestava uma grande paixão. Após ter feito um ano na UALG, apaixonei-me logo pela pintura e decidi vir para Lisboa, para a FBAUL, completamente às cegas para poder aprender mais. A pintura clássica, sobretudo da época barroca, chamou-me logo a atenção e a partir daí não larguei mais esta inspiração.”

O movimento barroco rega a arte de Daniela Guerreiro com o drama e o choque que o caracteriza. No website da artista podemos encontrar vários exemplares que fundamentam a paixão pelo “tenebroso”, nomeadamente em Naked Portraits, uma colecção “nua e crua” (palavras da autora) que despertam emoções mais negras. Este é um projecto recente, que vai ao íntimo de cada um de nós, com corpos e rostos que transmitem um estado de alerta.

Daniela Guerreio, Naked Portraits VII
Daniela Guerreio, Naked Portraits V

Esta coleção reserva um lugar para o corpo feminino, aquele que é considerado imperfeito pelo paradigma actual, mas também por largos séculos na História de Arte. Questionei a Daniela sobre este tema e se ela considera que esse caminho pode ser solucionado com mais representação feminina na pintura.

“Se olharmos para a arte clássica vemos diversos tipos de corpos em diversas épocas, e que acabam por corresponder ao padrão de beleza dominante naquela época. De facto aquilo que foge da norma não costuma ser representado de uma forma destacada e elogiosa, que transmita uma mensagem de aceitação. A razão pela qual o faço prende-se com o domínio da imagem perfeita que prolífera nas redes sociais e na publicidade. Ainda que comece a haver um esforço para a inclusão de modelos de diferentes tamanhos e imagens, essa diversidade não é assim tão visível e surge em contextos muito específicos. Mais do que desvinculação da imagem do corpo utópico é importante falar sobre a importância do acesso e oportunidade iguais nos meios artísticos e à educação para garantir uma maior representatividade feminina nas artes. Um longo caminho já foi percorrido mas há muito mais a fazer.”

Além do corpo feminino, as pinturas a óleo da Daniela Guerreiro também vão ao encontro de temas como a solidão, a violência doméstica, a discriminação racial, ecologia ou pobreza. Tópicos que, mais recentemente, foram transportados para a via pública, já com vários murais de grande dimensão a serem decorados com a sua autoria.

“A arte urbana: arte acessível a todos e todas”

Este contacto entre a Daniela Guerreiro e a Portugarte floresceu com a intervenção da Associação FOmE, que, desde 2018, já realizou mais de uma dezena de exposições e outros tantos concertos, talks, intervenções de arte urbana e apresentações públicas.

A verdade é que, entidades como a FOmE e uma maior abertura por parte das autarquias, têm vindo a direccionar a arte urbana num sentido emergente, apresentando uma das maiores vantagens que se pode ter na arte e na cultura: está à vista de todos e todas. À boleia destas novas correntes, a pintora Daniela Guerreiro, tem incentivado a sua arte a sair da toca e pôs a nu os seus trabalhos, críticas e pensamentos.

“Comecei a pintar na rua há pouco tempo. Para mim foi um tiro no escuro. Sempre fui muito recatada tanto pessoalmente como no que se refere ao meu trabalho, na medida em que a exposição pessoal e as dinâmicas de autopromoção sempre me causaram algum desconforto. Para mim é importante passar o que sinto para as telas, mas na rua é arriscadíssimo transpor os meus pensamentos e críticas, à vista de todos. Contudo, cada vez mais sinto que é um risco que compensa. Está a tornar-se cada vez mais importante para mim pintar na rua, porque vejo que a minha visão do mundo pode chegar mais longe, mais exposta, em vez que ficar fechada em quatro paredes, ou apenas acessível àqueles que têm ou conhecem o meu trabalho de pequeno formato.”

Mural de Daniela Guerreiro, em Lisboa

Uma destas iniciativas veio da parte da autarquia de Palmela e envolveu a artista algarvia, que correspondeu de forma brilhante a um desafio lançado em coprodução com a FOmE e a entidade local CAFI – Comunidade Arte e Festa Indígena, para que fosse pintado o mural da Biblioteca de Pinhal Novo.

Este mural alude à leitura, como forma de sair da dimensão quotidiana para o mundo de imaginação e conhecimento. Os Tsurus que voam do livro são símbolos de saúde, felicidade, boa sorte e dos voos que a imaginação desfruta através da leitura.

“Este mural foi muito especial para mim. A FOmE sempre foi um projeto que admiro, no sentido de ter sido criado de raiz humilde e de terem batalhado afincadamente na criação e na união de artistas emergentes. Foi o primeiro mural que fiz com curadoria e produção deles, e ainda para mais na sua “casa”, o Pinhal Novo, o que acaba por representar bem aquilo que eles têm defendido na relação das artes com territórios descentralizados. Sinto que fazer este mural é uma espécie de agradecimento pelo apoio todo que me têm dado. O mural em si é um apelo ao acesso à educação e ao conhecimento para todos, o que vai ao encontro daquilo que é a arte urbana: arte acessível a todos e todas. Este mural também foi um espaço de grande liberdade de expressão para mim, porque a FOmE conseguiu que eu tivesse esse espaço, sublinhando muito bem a confiança que têm no meu trabalho e no dos artistas com que trabalham.”

Podes encontrar mais informações sobre a artista no seu website e nas suas redes sociais. Além disso, tens também alguns exemplos que artista faz por encomenda e de forma personalizada.

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Etiquetas: , , , Last modified: Abril 29, 2021