Written by: Em Destaque Música

A Vila de SONO

Os SONO são uma banda com um conceito muito especial e comunitário, que nos dão música com raízes no jazz e na pop. Durante o mês de Março, lançaram o novo single “Um Dia Gostava de Receber a Seguinte Carta:”, e a Portugarte decidiu aproveitar a oportunidade para conhecer melhor este colectivo.

SONO

Quando abordei os SONO com uma série de perguntas, não previ que à hora de lançar este artigo me iria apetecer elaborar mais uma dose de questões. Não que falte condimentos ao que te vou expor, mas porque, simplesmente, me apetece falar com eles.

Eu, que gosto de construir cenários, imagino este novo encontro numa esplanada algures no Porto, cerveja numa mão, cigarro na outra, a comentar vicissitudes, complexas ou não, mas sempre de uma forma muito leviana, tal como a arte dos SONO.

Só não sei com quem iria ter estas conversas. Os rostos não me ficaram materializados na memória da imaginação. Antes ficou um colectivo, uma vila de criativos, que tem habitantes e transeuntes, que estão, vêm ou foram, mas que deixam sempre o seu contributo. Apesar de andar de pantufas, a intervenção política deste colectivo é profunda. Não pela interpretação das músicas, mas pela forma como elas são feitas.

Interior da Vila de SONO

“Um lugar onde sonhamos”

O centro gravítico da banda está no Porto, e surgiu com dois Guis, ambos estudantes na Escola de Jazz do Porto e ambos com muito para experimentar. Entre reuniões e convívios, já se sabe, se a conversa é boa, aparece mais gente para a ouvir. Pelas palavras do grupo, “entretanto o projecto alargou para uma vila de habitantes inusitados e intermitentes em que uns constroem essa realidade e outros a vivem“.

Esta vila de habitantes deixa-se passear pela metáfora, mas é o conceito que transmite o sentido de comunidade que me permitiu dar foco à intervenção política. Um espaço intermitente e que faz com que o projecto SONO seja sempre um “desafio/convite a colaborações musicais, poéticas, audiovisuais ou plásticas.”

É um convite tentador, tendo em conta que o sono é o único lugar onde os limites se dissipam.

Perguntei de onde veio a escolha para o nome da banda:

“O conceito inicial era simplesmente por ser um lugar onde sonhamos e fazemos ligações cerebrais menos óbvias. O facto de ser uma palavra formalmente “redondinha” também cativou, para além de a sua utilização como nome de banda também nos parecer pouco convencional (achavámos nós).
Com o tempo, tanto nós como os amigos fomos fazendo mais associações com o nome de que também gostávamos e foi ficando. Tanto dos trocadilhos em português como em italiano. Além de servir facilmente como um auto-adjectivo para quem ache a música secante. 
Num conflito de nomenclaturas numa conhecida plataforma de streaming musical, fomos obrigados a alterar o nome para Sono Colectivo, pensámos também em Sonos mas não queremos incomodar a capicua. 
No fundo, neste momento respondemos por vários nomes, sendo que este último até serve provavelmente melhor a estrutura actual do projecto.”

Esta comunidade responde por vários nomes, mas também são vários nomes que a representam. Se quiseres fazer o exercício de navegar pela página do bandcamp de SONO e te aventurares na pesquisa de créditos atribuídos a cada tema, vais ter pano para muitas mangas arregaçadas que quiseram dar o seu seu contributo. Não é fácil juntar as pessoas que queremos, mas é fácil juntar as pessoas que querem e que têm vontade. O processo de criação é diferente e toma outros caminhos, mas não deixa de ser feito com um carimbo natural.

“É a diferença entre construir e gravar com uma banda, de pessoas e instrumentos definidos ou escrever canções sem esses condicionamentos e pensar nisso depois. Às vezes é fácil, às vezes é difícil, achamos que é um processo interessante e mais aberto mas que acaba por ser mais lento.”

Umo SONO heterogénio

Confirma-se. Não há instrumentos definidos na banda. Às vezes poucos, às vezes muitos, mas sempre suficientes.

No Bandcamp e no Spotify encontramos dois álbuns, o I e o dois. Ambos muito ricos em diversidade musical. Pode-se inserir em catálogos do jazz, da pop, do indie, mas eu gostaria mais de focar na heterogeneidade sonora. As guitarras e baixos juntam-se instrumentos de sopro ou outros de origem mais clássica, assim como a apontamentos mais electrónicos.

Isto faz com que a banda recorra uma orquestração sistemática.

“Naturalmente que, usando muitas vezes instrumentos diferentes (assim como vozes e instrumentistas diferentes), o resultado final torna-se mais vezes surpreendente, até para nós. Mas sempre fomos assumidamente nessa direção de criar lugares diferentes em cada canção.
Sempre escrevemos música a pensar que se se tratassem de guitarras ou baixos, umas vozes, um teclado ou outro, nós poderíamos executá-lo, mas muitas vezes tínhamos ambições de utilizar outros instrumentos, o que também levou a que no processo aprendêssemos um bocado mais sobre orquestração.
Isto tudo também só tem sido possível porque temos tido a sorte de as pessoas (as que tocam e as que produzem) terem tido sempre a disponibilidade e sensibilidade para ir também connosco nessa direcção.”

Não é só a feira de instrumentos de SONO que é riquíssima. Tenho que sublinhar a sua poesia, que tem um estilo muito próprio, feita com uma simplicidade quase ingénua, e que dança muito bem na pista dos sonhadores. Buscam temas honestos e humanos, aprofundados ou retratados tal como são, como no caso da faixa Domingo, que fala de um Domingo de ressaca. Esta música é uma das minhas favoritas, porque além de me identificar com o propósito desta canção, tem um arranjo muito bonito que aconselho toda a gente a ouvir.

E se recebesses uma carta dos SONO?

O que farias se não dependesses do rendimento do trabalho para viver? Esta foi a pergunta que o colectivo colocou e que respondeu de uma forma imaginativa pelo Sr. Emílio.

A personagem criada pelos SONO recebeu uma carta do Estado em que lhe atribui uma bonificação vitalícia sem ter que trabalhar. Isto resultou num single com teledisco, lançado no passado mês de Março e que já perdi a conta o número de vezes que a ouvi. O raio da música fica no ouvido e transmite um sentimento de alegria que convida a ouvi-la em loop.

“É uma música que nasce de um debate que andávamos a ter sobre a ideia do rendimento básico incondicional, e a pretensão da canção é levantar questões sobre o tema, a partir do imaginário de Emílio. 
É natural que haja uma primeira divisão entre os que estão a favor e os que estão contra, e que a discussão comece por aí. Nesse sentido vai ao “coração” das pessoas que pensam e discutem sobre isso porque é um tema relativamente polarizante e especulativo, que levanta questões muito interessantes e respostas e realidades complexas, apesar de, nesta fase, a discussão ser mais construtiva se for colocada como “e se” em vez de “sim ou não”. 
E mesmo entre aqueles que gostariam de receber essa carta, existem diferentes visões dentro do espectro político. Uma versão que a assume como uma dissolução do papel do Estado pela “liberdade” de escolha individual, e uma outra quase oposta que a prevê como um complemento e alargamento da distribuição do Estado Social. Da nossa parte, para que fique claro, se não o foi no vídeo, assumimos a discussão a partir desta última ou, fazendo uma analogia musical, assumimos a tónica num “acorde” no estado fundamental.”

Ora ouve:



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Etiquetas: , , , Last modified: Abril 20, 2021