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Entrevista “Kiko & the Blues Refugees”

Conversámos com o Kiko Pereira dos Kiko & the Blues Refugees e temos o prazer de publicar a entrevista completa!

E chegou o dia! Tal como dissemos há uns dias atrás, conversámos com o Kiko Pereira dos Kiko & the Blues Refugees e hoje temos o prazer de publicar a entrevista completa!

O supergrupo formado por músicos experientes e conceituados do panorama nacional está a apresentar o álbum de estreia “Threadbare”: um filme sonoro que expõe a atualidade de um género universal e das inúmeras estradas por onde ele nos pode levar.

Para além de Marta Ren, no disco participam como convidados Bj Cole (com trabalhos anteriores com músicos como Elton John, Sting, Beck, Bjork ou Depeche Mode), Mila Dores, João Andresen e Rafaela Alves. A produção é de Mário Barreiros e Kiko Pereira.

Somos o somatório das nossas experiências e do nosso conhecimento, da nossa história. A minha permitiu-me ter contato com uma cultura e ambiente muito diferente daquele em que fui integrado depois do regresso a Portugal. Mas, embora de forma muito influente, o facto de ter nascido nos EUA não foi determinante no que sou em termos musicais. Foi importante pela aquisição das sonoridades e dos “sotaques” da música que faziam parte do ambiente em que vivi no anos 70. Foi a matriz cultural que permitiu o desenvolver dos estímulos que surgiram. Talvez mais importante do que ter nascido aqui ou ali foi o fato de ter convivido com muitas pessoas que me apresentaram músicas e estéticas distintas baseadas nos meus gostos, ou até mais importante, na falta dele. A partir daí fui em busca de conhecimento, preenchendo lenta e progressivamente lacunas que sentia serem estruturantes para aquilo que sinto ser importante como músico e pessoa. É isso que se ouve no álbum, tanto da minha parte como compositor como do resto da banda com as suas histórias, matrizes e “sotaques”.

Mário Barreiros é um dos mais conceituados produtores musicais portugueses, tendo a produção do vosso disco de estreia “Threadbare” ficado a seu cargo. Podes contar-nos como foi essa experiência e de que forma é que a referida produção influenciou, ou não, a sonoridade do álbum?

Trabalhar com o Mário é sempre um processo muito intenso de debate de ideias e conceitos que é muito estimulante. Ele tem uma visão muito cirúrgica e arquitetural daquilo que uma canção pode ser, ou seja, encontra os pontos mais débeis e procura reforçar ou reorganizar o que é necessário. Claro que do ponto de vista do criador por vezes algumas das sugestões ou ideias podem ser de difícil digestão e é necessário alguma distância e tempo para que façam sentido. No projeto do disco, em que o Mário participou mais ativamente em 4 temas, quase todas as suas sugestões foram acertadas, o que diz muito acerca da sua sensibilidade artística e coerência estética como músico e da sagacidade e ouvido clínico como produtor. Muito do que o disco é se deve a esta colaboração. Mas também tenho de referir o som fenomenal do disco que é também obra do Mário, mas muito do João Bessa que conseguiu captar a energia da banda. É tudo muito old school (para vocês, para mim é só school ).

Fotografia: Anabela Trindade
A tua carreira musical foi acompanhada por uma paralela experiência na área da educação, mais concretamente na musical. Para além disso, participaste como professor de canto e interpretação em programas como “Operação Triunfo”, “A Voz de Portugal” e “The Voice Portugal”. Podes explicar-nos de que modo coabitam os teus diferentes mundos artísticos como o televisivo, o da criação independente musical e o da educação?

Não existe qualquer conflito pois tudo se resume a dois vetores fundamentais, o respeito pela arte e pelo ofício. Ser professor fez de mim melhor músico o que se torna muito importante como docente. E ser um profissional empenhado e disciplinado permite-me tornar o trabalho nos diferentes ambientes (seja no palco, na sala de aula ou atrás das câmaras) como a continuidade de um caminho único. O respeito por estes dois princípios permite que várias atividades coexistam de forma natural e harmoniosa (pelo menos so far, so good).

Em 2003, o teu primeiro trabalho, intitulado “Raw” foi considerado pela revista All Jazz como um dos melhores do ano. A mesma proeza foi repetida este ano, tendo Álvaro Costa afirmado assertivamente que “Threadbare” é um dos melhores álbuns nacionais de 2021. Como encaras este tipo de declarações e qual a tua opinião sobre o panorama do jornalismo musical português?

Quase 20 anos separam estes dois discos e o mundo mudou significativamente. O desenvolvimento exponencial daquilo que é hoje a internet veio transformar de forma drástica a indústria musical e a imprensa especializada. Acho que um dos grandes desenvolvimentos está relacionado com uma democratização da oferta de meios de divulgação e debate da arte e da indústria (que raramente são a mesma coisa), quebrando um certo predomínio de uma imprensa mais institucional que por vezes (e digo isto para não ser injusto com muitos profissionais de excelência) funcionava como gatekeeper e que controlavam a divulgação de informação sobre a arte e artistas ao público. Com meios alternativos como o Portugarte (Yeaah), projetos que fogem ao mainstream e também a circuitos mais herméticos podem, e têm, maior visibilidade e espaço para apresentar o seu trabalho. Igualmente diferente e muito positivo o alcance deixou de ser local e passou a ser global abrindo outras perspetivas na divulgação e promoção. Mas com a multiplicação de novos sites, blogues, revistas, etc.  os conteúdos podem sofrer pela necessidade de constante criação de novidades e conteúdos que por vezes não são devidamente escrutinados o que leva a que surja muita informação com menos substância, profundidade e até sentido. Como tal é bom existir pessoas como o Álvaro Costa (que menciono por estar na pergunta não querendo ser injusto com tantos outros) que fazem alguma triagem no meio da torrente de output artístico em que hoje vivemos.

Vivemos em tempos de pandemia, onde os músicos vêem-se obrigados a adaptar-se às novas tecnologias. Prova viva disso é o lançamento do teu disco de estreia, que surge no meio de uma epidemia global e que teve um respeitado trabalho tecnológico de promoção e divulgação mediática nacional. Como foi a recepção do público perante este e quais as principais diferenças entre um lançamento, dito cujo “normal”, e um nos dias de hoje? Para além disso, esta adaptação da indústria musical nacional às novas tecnologias refletiu-se na vossa atuação do Festival P, do jornal Público, em formato streaming. Queres contar-nos um pouco sobre este concerto e como interpretas a referida experiência streaming, ao vivo, dos concertos da realidade atual?

Lançar um disco em tempos de confinamento é uma experiência que espero não ter de repetir. A necessidade de adaptação a que as artes e a indústria do entretenimento (não é só a música, o teatro, o cinema, mas os bares de música ao vivo, discotecas, feiras medievais, festivais gastronómicos, etc) foram obrigadas a submeterem-se foi interessante, e poderá ser o início de algumas novas formas de conceito de manifestação artística. Mas não é aquilo que desejamos, são soluções temporárias, remendos, formas alternativas de tentar arranjar rendimentos (para um setor massacrado pelo confinamento not judging, just sayin’) e formas de tentar manter algum ritmo performativo O concerto que fizemos no Festival P foi uma experiência muito estranha. A música que fazemos vive muito da relação com o público, e pareceu-nos uma sensação de membro fantasma, sentimos que estamos amputados de uma parte muito importante de nós. É diferente de fazer um vídeo pois sabemos que é live, mas é diferente de um concerto pois não há envolvimento, reciprocidade, comunicação. Por outro lado, a tecnologia ainda é muito falível e o live stream do Festival P sofreu de alguns percalços que deteriorou o som da transmissão. 


Redes Sociais dos Kiko & The Blues Refugees


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Last modified: Março 30, 2021