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Conversas com “O Gajo”: o seu mundo artístico e o lançamento do terceiro álbum, “Subterrâneos”

A Portugarte esteve à conversa com João Morais, onde foram descortinados diversas temáticas pessoais e artístico-culturais.

O Gajo

O Gajo apresenta a capa para o seu 3.º disco “Subterrâneos“, a ser editado a 26 de março. Esta capa tem por base uma pintura da autoria do artista plástico de Arcos de Valdevez, Mutes.

O nome “Subterrâneos”  surge como fonte de onde todo este disco germina.
Segundo João Morais, O Gajo, “o confinamento obrigou a uma menor relação com os outros e a uma maior proximidade com o nosso eu interior. Por fora somos o que queremos que os outros vejam, mas é por dentro que está o que verdadeiramente somos e isso nem sempre é um bom reflexo”.

Neste contexto, o músico explica que “a pintura que faz capa deste disco é da autoria do artista Mutes e mostra uma série de figuras disformes que representam essa imagem subterrânea que pode ser a de cada um de nós“.

Mutes conta já com um grande percurso artístico, com mais de 200 exposições por todo o mundo e um Art Prize Picasso no Museu do Louvre em Paris em 2016.

O encontro de Mutes com O Gajo acontece pela primeira vez num concerto no espaço Damas em Lisboa e depois de conhecer melhor o portfólio do artista, O Gajo decide pedir a Mutes para usar uma das suas pinturas na capa do novo disco.

A obra chama-se “Em marcha de escarlate” (acrílico sobre tela) e é original de 2017.

Tendo em conta a importância cultural deste lançamento, a Portugarte esteve à conversa com João Morais, onde foram descortinados diversas temáticas pessoais e artístico-culturais.

Fotografia: Jorge Buco

Tiveste um passado no punk nacional, onde passaste por importantes bandas do movimento tais como os Corrosão Caótica e os Gazua. Nos dias de hoje, encontramos a exploração de novas sonoridades numa nova identificação artística que se materializa n’O Gajo. De que forma é que este teu passado punk-rocker influencia a forma como percepcionas atualmente a arte e de que modo és (ou não) um diferente artista a tocar a viola campaniça, em oposição à guitarra eléctrica?

Eu comecei a tocar guitarra eléctrica com 15 anos numa altura em que frequentava a escola Artística António Arroio em Lisboa. Esse foi um momento chave para tudo o que passou a seguir. Ouvia música mais pesada e de cariz mais interventivo e à minha volta o espírito era sempre de grande inconformismo. Os anos passaram, a vontade de fazer música com cariz interventivo manteve-se e o espírito inconformista levou a que fosse sempre mudando as fórmulas através das quais me exprimo. Foi esse espírito que em 2016 me levou em busca de um Cordofone Português.

Os quase 30 anos que passei no circuito mais punk-rock Português deram-me espírito crítico e uma grande dose de resiliência pois sendo um meio onde não se faz dinheiro, quem lá anda, anda porque há algo que quer dizer ou exprimir. Sempre encontrei aí muita verdade pois o dinheiro corrompe facilmente as ideias. Há também neste circuito um grande espírito de unidade que semeou muitas amizades um pouco por todo o país.

A forma como cada um de nós percepciona a arte é sempre diferente. O que procuro num artista e que também eu tento ser, é algo sempre um pouco diferente do que fui no trabalho anterior. O espírito exploratório tem de ser o que comanda o nosso “barco”. O nosso habitat tem de ser o que está para lá do quadrado que encerra tudo o que já conhecemos. Quando oiço um disco de uma banda que é igual ao anterior ou que fala sobre as mesmas coisas, isso desinteressa-me. Seria como vermos um artista que repete constantemente a mesma performance. Se já vi uma vez, não quero ver de novo pois já não me surpreende.

O que sou como artista hoje, começou a ser moldado em 1988 e foi apenas sofrendo os pequenos acrescentos que representam todas as coisas que me foram influenciando até aos dias de hoje. É um processo de construção que só fica completo com a última bombada do nosso coração.

A Guitarra Elétrica e a Viola Campaniça são as minhas ferramentas de trabalho. O que senti em 2016 foi uma necessidade de soar a algo que pudéssemos identificar com este nosso país. Um pouco como quem ouve um Ravi Shankar e é transportado para a Índia ou um Carlos Paredes e é transportado para Portugal. As Guitarras Eléctricas Americanas não me estavam a colocar na Geografia certa e a Viola Campaniça veio acertar essa minha bússola interior.

Resumindo, não houve nestes 33 anos de música mudanças bruscas ou grandes reformulações no meu olhar sobre o mundo, houve um processo de crescimento normal orientado por muitas observações, audições, leituras e aconselhamentos.

Ao longo da tua carreira artística, tiveste a oportunidade de trabalhar com diversas editoras independentes. Por outro lado, O Gajo tem encontrado uma constante edição de registos fonográficos por parte da Rastilho Records. Podes falar-nos um pouco sobre a tua experiência com a editora e a forma como a mesma tem acompanhado o teu desenvolvimento artístico?

A Relação com a Rastilho Records tem realmente sido de grande importância para mim e para o meu percurso. É uma editora muito experiente e com um catálogo que respeito muito. Souberam sempre resistir ao apelo do dinheiro fácil e manter uma coerência artística forte e repleta de bom gosto. Ali, trabalha-se todos os dias com isso em mente.

Podes clicar aqui e encomendar, no site da Rastilho, o novo disco d'O Gajo

Se há coisa que sempre procurei foi esse tipo de relação. Um pouco como compôr musicas segundo um algoritmo comercial para ser mais fácil de vender. Os desafios que tranquilizam a minha consciência são mais arrojados que isso e exigem a quebra desses algoritmos e a criação de um código que possa ser o meu.

Saber que este meu parceiro de trabalho respeitará esse meu código individual mesmo que isso represente um maior risco comercial, dá-me mais liberdade criativa e nestas caminhadas artísticas queremos tudo menos correntes agarradas aos tornozelos.

O Gajo
Fotografia: Jorge Buco

Um percurso consistente e duradouro depende também da consistência dos nosso parceiros de trabalho e temos de saber encontrar os certos. Se assim for, ganha-se mais confiança e espaço para trabalhos mais criativos e arrojados.

A maravilhosa ilustração do teu terceiro discos de originais, de nome “Subterrâneos”, esteve a cargo do artista plástico Mutes. A teu ver, de que modo é que o visual de um disco pode complementar (ou não) a sonoridade de um músico?

A minha formação artística e o meu curso de Design Visual quase que me obrigam a manter estas duas linguagens em constante harmonia. A música e a imagem sempre cresceram lado a lado no meu trabalho e sem dúvida que são linguagens complementares.

No caso do projecto O GAJO, sendo instrumental, isso é ainda mais significativo. O que eu procurava para este novo disco era uma imagem que de alguma forma representasse os nossos “eus“ interiores. Esta pandemia cortou o contacto com os outros e acentuou uma relação mais introspectiva pois assim obrigou o confinamento, e essa relação nem sempre foi saudável pois se por fora somos o que os outros querem ver, por dentro somos algo diferente, mais real e nem sempre atractivo. Às vezes pode mesmo ser uma imagem triste e doentia. A pintura do MUTES representa um conjunto de seres disformes que poderiam ser as representações “subterrâneas“ de cada um de nós.

Ilustração: Mutes

A imagem tem sempre um papel fundamental em relação com outras coisas como um livro, uma bebida, uma peça de vestuário, pois somos muito sensíveis à imagem. A indústria usa a imagem para vender produtos que não prestam, mas que assim se possam tornar atractivos. A nível político a imagem tem sempre um papel fundamental ainda que o que se queiram transmitir sejam ideias.

É aqui que o nosso espírito crítico tem de estar bem oleado para poder filtrar a informação que nos chega pois pode ter uma boa imagem e estar ali apenas para nos prejudicar.

A criatividade artística d’O Gajo foi mais além da situação pandémica e, tal como dás a conhecer nas tuas redes sociais, O Gajo teve o apoio do Fundo Cultural para a criação deste novo disco. Como foi a tua experiência com o referido Fundo e, na tua opinião, como vês o futuro da cultura nacional numa realidade pós-pandémica?

Este projecto O GAJO, em relação a projectos meus anteriores, tem conseguido mais e maiores consensos a vários níveis, sejam institucionais, sejam imprensa ou mesmo em relação ao público em geral.

O Fundo Cultural do Ministério da Cultura a que me candidatei em Março de 2020 destinava-se à criação de obra artística e tive a felicidade de conseguir esse apoio. Nessa altura não estava com qualquer rendimento e consegui assim centrar a atenção na composição do disco e ainda assim cobrir as despesas básicas da rotina mensal. A relação foi essa e estou muito agradecido.

Fotografia: Jorge Buco

A Cultura de uma forma geral julgo que será sempre um parente pobre numa sociedade Capitalizada como a nossa. O que movimenta o país é a Economia e a maioria de nós vive muito bem com isso. Se temos uma sociedade Capitalista é porque queremos e não por culpa de um governo. Se quisermos outro tipo de sociedade, temos de ser nós a mudar os nosso hábitos diários.

Por exemplo, se não quisermos cá um Mc Donalds, basta deixar de entrar nesse espaço e ele desaparecerá.

Claro que um país muito culto e consequentemente mais pensador não será tão fácil de gerir e por isso se calhar não será do interesse de um Governo investir demasiado em algo que pode proporcionar mais disrupções com as ideias vigentes.

Quem normalmente reivindica mais cultura é a indústria cultural e não o grande público, e é por isso que nos vamos mantendo alimentados por migalhas. Se percorrermos o país percebemos que a Cultura tem muitas vezes um papel secundário de “entretenimento” e não é vista como algo que pode realmente mudar o olhar dos indivíduos e torna-los mais dinâmicos, mais criativos, mais críticos, mais sensíveis e por isso tudo, muito mais aptos a enfrentar os desafios do futuro.

No fim de contas penso que a resolução da maioria dos nossos problemas estruturais reside na Educação. É lá que tudo começa, seja em que área for. E falo de Educação Pública e gratuita, para que todos possamos ter direito a crescer intelectualmente e contribuir de forma construtiva para melhorar as condições de vida deste país. Apoiem-se governos que tenham prioridades concretas nessa área e o resto será uma consequência natural desse passo.


“Electro Santa” primeio single de avanço:

Electro Santa” é o primeiro tema de avanço do novo disco “Subterrâneos“, apoiado pelo FundoCultural do Ministério da Cultura.

Depois de “Longe do Chão” (2017) e do quádruplo EP “As 4 Estações do Gajo (2019), “Subterrâneos” é o 3.º disco de originais a lançar por João Morais // O Gajo e representa uma nova abordagem ao seu trabalho orientado pela primeira vez para o formato trio.

Com Carlos Barretto no Contrabaixo e José Salgueiro na Percussão, surgem composições mais arrojadas que transportam a Viola Campaniça para novos e mais ambiciosos territórios. O resultado é sempre surpreendente e inovador conferindo novas potencialidades musicais a este cordofone tradicional.


Redes Sociais d’O Gajo


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Etiquetas: , , , , , , Last modified: Março 16, 2021