Para o dia 8 de Março, no Dia Internacional da Mulher, a equipa do Portugarte pediu a sete mulheres que nos dessem o seu contributo e que relacionassem a sua actividade com a luta pela igualdade de género.
Tota Alves (produtora, realizadora e argumentista)
“Problematizar a igualdade de género na realização e escrita de cinema ou audiovisual é também procurar soluções para a falta de representatividade nos papéis ficcionados. E isto não quer dizer que a personagem feminina não exista, quer dizer que ela existe, quase sempre, construída por um olhar masculino.
Quando as listas dos filmes nos cinemas comerciais ou das séries da televisão são compostas por um padrão que as assina – o homem branco – significa que as narrativas também são construídas sobre um olhar que, consciente ou inconscientemente, é demasiadas vezes machista e racista. As histórias de um ponto de vista que representa apenas os mesmos de sempre acabam por ser cúmplices da normalização de opressões.
É urgente a procura de novas referências, que há tanto tempo existem, mas continuam invisibilizadas.”
Keyser Söze Söze (tatuadora)
“A arte é uma forma de expressão de nós mesmos, do mundo que nos rodeia e também um meio de comunicação.
A arte pode ser então um veículo de transformação do mundo, através da comunicação de problemáticas. Portanto a arte pode ser também uma arma de comunicação de assimetrias de género e de empoderamento das mulheres. Através da criação artística, as mulheres podem expressar as suas inquietações e vivências.
Durante muito tempo, as mulheres serviram apenas como objecto de admiração artística e não eram vistas como criadoras. Creio que, cada vez mais, esse panorama está a mudar.
Cada vez vejo mais artistas mulheres a utilizar a arte como uma ferramenta de luta pela igualdade. Seja através dos filmes, da música, das artes plásticas ou, no meu caso, das tatuagens.
Nós, as mulheres, estamos a comunicar as nossas problemáticas, a questionar os nossos papéis sociais através da arte. As artistas estão a ocupar os lugares que diziam não serem para nós Estamos a mostrar o mundo das nossas nossas perspectivas.
Apesar de estarmos longe de alcançar a igualdade no mundo, e no mundo artístico, é importante cada passo que damos, cada mensagem que transmitimos e cada visão da nossa vivência específica, que sai da gaveta para o mundo.”
Iolanda Oliveira (videografa)
“Através do vínculo e da relação com as outras pessoas com quem co-habitamos neste mundo, damos sentido à existência. Afinal somos seres sociais.
É inegável que ainda temos um longo caminho a percorrer no sentido de estabilizar as diferenças no trato entre géneros.
Acredito que sabemos, que no fundo só queremos amar e ser amados como somos, e nos sentirmos seguros e respeitados nas nossas semelhanças e diferenças. Também acredito que no nosso íntimo, sabemos que viver é incrível, e é em si, uma experiência demasiado preciosa para nos violentarmos e aceitarmos isso como “normalidade”.
Existe um potencial imenso em cada um de nós. Desejo sinceramente que este seja contemplado e usado para nos nutrirmos mutuamente e que possamos alimentar e celebrar a existência com base em relacionamentos mais saudáveis e construtivos sejam de que caracter forem.
O dia 8 de Março, não é “só” o Dia Internacional da Mulher. É uma dignificação de tudo o que isso presente e historicamente simboliza numa sociedade marcadamente patriarcal. É um dia que, em pleno séc. XXI, apela à consciência da igualdade de direitos e deveres.
Sinceramente, não só por mim, e minhas próximas, familiares ou não, por todas as que estão, pelas que já estiveram e pelas que estaram, mas também por todxs: Que se abram caminhos de respeito entre todos os seres. Feliz Dia Internacional da Mulher.”
Cataestrófica (ilustradora)
“A emancipação das mulheres artistas é parte fundamental de um fluxo de sobrevivência e resistência, rumo à igualdade de género, através da construção de novos sentidos, desafiando estereótipos e padrões normativos.
Ao torná-la uma prática emancipatória, o empoderamento individual e coletivo que brota do terreno fértil que é o processo criativo consegue criar condições para mudança de consciências, através de uma série de encontros e de descobertas sobre os direitos de todas as mulheres.
A reflexão que parte do processo criativo é um forte motor de transformação social e cura da comunidade.
É obrigatório tornar a arte assunto central na nossa sociedade.”
Margarida Almeida (pintora)
“A mulher foi uma das mais persistentes imagens ao longo da história de arte. No entanto, quando observamos atentamente a sua representação, apercebemo-nos que esta não foi se não uma efabulação masculina – a mulher foi construída e constituída como objeto e muito especificamente como objeto visual. Antes de ser apreendida enquanto ser humano (e se de facto chega a ser apreendida enquanto tal) – ela é apreendida como imagem. Uma imagem sem nada atrás, uma imagem-mercadoria, que nada mais atinge que a mera sublimação do poder do proprietário dessa mesma imagem.
Poderíamos fazer uma indexação de toda a representação feminina na história de arte e chegaríamos à conclusão que a mulher foi sempre representada como um objeto passivo, fetichizada e esvaziada de toda a sua autonomia e sendo-lhe negada a sua própria sexualidade, sendo-lhe barrada a oportunidade de poder formular os seus próprios discursos, artísticos ou não. A violência intrínseca a esta aceção não pode continuar a ser perpetuada – a violência de um espaço de autorrepresentação, de autocriação e de autoexpressão permanentemente violado, permanentemente manipulado e distorcido; a violência da autonomia roubada e a violência do silenciamento, do desmantelamento da identidade, do desmantelamento do ser.
Se o nosso mundo é feito de imagens, é atroz não nos caber a cada um de nós a construção dessas mesmas imagens, a reinvenção das narrativas. A arte é uma arma e deve ser arremessada contra todas as estruturas que pretendem sempre e mais circunscrever o indivíduo, separando ao mesmo tempo a comunidade. A arte deve ser, acima de tudo, espaço de liberdade e expressão da Mulher e de todos nós.”
Ana Lua (ilustradora)
“Quando me percebi consumidora de arte, certamente um dos pontos que mais me incomodou – e me incomoda até hoje – foi a falta de representatividade nesse mundo. Mulheres retratadas por artistas homens, negras retratadas por artistas brancos, a miséria retratada por artistas ricos: nunca quem era objeto de contemplação tinha a oportunidade de utilizar a arte para falar por si só.
Ao, finalmente, me reconhecer como artista, transformei a arte no meu principal instrumento de empoderamento. A minha revolta com essa falta e/ou falsa representatividade que a figura feminina possui, fez com que isso se tornasse o norte para as minhas produções, o que permitiu com que, através da minha arte, eu ajudasse no processo de empoderamento de outras mulheres e participasse de uma corrente de conscientização e politização através da cultura.
A arte é uma das linguagens mais democráticas que existem, privar qualquer tipo de minoria social de se utilizar dela é uma das formas de opressão mais dominadoras que existem. A arte é importante no caminho da equidade de gênero porque nos permite falar sobre nós mesmas; permite que tenhamos voz ativa e não sejamos mais meramente objeto de apreciação do nosso opressor.
“Apenas 6% dos artistas exibidos são mulheres, mas 60% das figuras nuas são mulheres.” – denúncia na obra “As mulheres precisam estar nuas para entrar no museu?” do grupo Guerrilla Gurls, de 2017, sobre as exposições no Museu de Arte de São Paulo.”
Dullmea (música)
“A arte vê o mundo na linha da frente e, falando por ele, fala com ele, mastiga-o, procura soluções para as nossas crises e oferece-nos um novo modo de ver e compreender as nossas relações. A arte renuncia aos esquemas de hábito psicológico e cultural e convida o ser humano a olhar-se, a repensar-se, a vislumbrar uma realidade alternativa.
Mesmo com tantos séculos de arte na nossa História, todos os dias percebemos que continua a ser necessário falar sobre a igualdade de género.
Se um exercício artístico pretende retratar uma realidade concreta, esse retrato inclui os preconceitos dessa realidade. No entanto, a arte em si é a forma de expressão humana mais pura — não faz distinções de género, raça, orientação sexual, religião, estrato social, etc. — e aí reside a sua importância na igualdade de género.
A arte não se deve subverter por preconceitos mas sim amplificar a reflexão sobre esses preconceitos. Ou seja, não é forçando a escolha de uma pessoa transsexual para fazer de Orlando que estamos a contribuir para a igualdade de género — o texto de Virginia Woolf já é em si uma profunda reflexão sobre o assunto, portanto a pessoa deve ser escolhida pela sua capacidade de comunicar as ideias da autora e assim levar o público a questionar a sua visão do mundo.”
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