António Santos é o mais antigo performer em estátua viva do mundo, actuou nas ruas de 72 países e já superou 6 recordes relacionados com a arte do Staticman.

Às vezes pode acontecer cruzarmo-nos com alguém mais do que uma vez, em contextos separados, que fazem com que essa relação seja encarada de uma forma plural. Isso aconteceu-me com o António. Conheci-o duas vezes. Na primeira era um miúdo, quando o Staticman se relacionou e ficou amigo dos meus pais. A segunda, foi em Coimbra, onde o acaso fez com que eu fosse viver para a República dos Kágados, em que descobri, meses mais tarde, que o António fora antigo daquela mesma casa.
Um bandido volta sempre ao local do crime, assim como um felizardo visita frequentemente a casa onde foi feliz. Assim nos encontrámos, nos Kágados, onde eu me apresentei de novo, com novas conversas e novos motivos para conversar. Foi uma coincidência enorme para mim, mas para o António não foi assim tão surpreendente e hoje consigo perceber porquê.
Para alguém que é tão vivido, que arrasta experiências, caminhos e pessoas, a coincidência faz parte do habitual. Se te moves pelo mundo, se não estás parado no mesmo sítio, a matemática das probabilidades garante que é bem possível encontrar o que já encontraste. E assim conhecer alguém duas vezes.

A cura e o nascimento de uma arte
Algures no século XVIII, Johann Goethe, concluiu que “há pessoas que nunca se perdem, porque nunca se põe a caminho”. Sem contestar a veracidade do escritor alemão, o início da história de Staticman mostra que às vezes estamos perdidos, mesmo sem que o rumo faça parte de uma estratégia. Que os caminhos, além de evocarem tempestades, também servem para encontrar a bonança.
Na década de 80, António Santos estudou na Universidade de Coimbra e trabalhou nos hospitais da mesma instituição. Foi nesta altura que uma depressão o consumiu, evoluindo para uma série de problemas de saúde graves, que colocavam o António numa posição sem retorno e de mudança obrigatória.

“Nos raros momentos de algum discernimento mental, naqueles intervalos em que a pouca força que tinha era utilizada para fugir do suicídio, sentia que teria de ganhar força e coragem para mudar de paradigma, para tomar uma decisão de outro Caminho e num desses momentos assim o fiz.”.
Tomou a decisão de abdicar dos estudos e do emprego, e montou-se à boleia de transeuntes e da própria motivação. Foi em direcção a uma longa Europa, uma viagem que iria mudar a sua vida para sempre.
Nestas estradas conheceu a prática de Yoga e procurou algumas curas alternativas, tais como o Zazen e a meditação. Além destes processos o terem salvo de uma doença grave, ensinaram o António a encontrar focos de concentração extraordinários, a baixar o próprio ritmo cardíaco e a conseguir ter uma relação confortável com a quietitude.

Não tardou até se aperceber que poderia rentabilizar as suas novas capacidades. Em 1987, numa actuação nas Ramblas em Barcelona, tornou-se o primeiro homem-estátua do mundo, em contexto de artes de rua e começou a perceber que poderia conseguir ter algum retorno com as suas produções artísticas.
Mais de 500 personagens diferentes
As artes nunca foram paralelas e o enorme sucesso do Staticman desenvolveram-se com um cruzamento e aprendizagem de outros universos artísticos.
“Sim, sempre fui buscando contacto com outras artes de que gosto. Tanto como da parte performativa, também gosto muito da parte criativa. O meu melhor personagem é aquele que estou a construir. Tenho até hoje cerca de 500 diferentes. Adoro os desafios da criação e fazer com que eles se juntem à quietude como forma de expressão é, realmente, um dos meus pontos diferenciadores.”
A caracterização das figuras que o António foi criando é notável. Aperfeiçoou dotes de ilusionismo que resultaram em actuações que envolvem levitação e até se tornou DJ, com o projecto Living Statue Djs, que já percorreu vários festivais internacionais.
Alías, a sua arte já o levou a conhecer 72 países. E Apesar de ser muitas vezes convidado para integrar festividades institucionais, é na rua que o artista gosta de estar. O contacto com o público e a proximidade com as reações torna-o apaixonado pela profissão e mesmo tendo percorrido uma enorme variabilidade de culturas, nota que as respostas de quem assiste à performance é “mais parecida do que inicialmente se poderia pensar”.
Os recordes da estátua-viva
O que torna a história do artista ainda mais interessante, é o facto de António Santos não ser apenas a primeira estátua-viva do mundo. O artista é também o melhor a fazer a sua arte e esta conclusão esteve estampada no Livro do Guiness durante 9 anos.
“Tenho 3 recordes mundiais de imobilidade, um recorde mundial de menor velocidade em marcha, um recorde mundial de suspensão apenas num ponto de apoio e um recorde mundial de permanência em performance de estátua viva.”
Estes feitos, que o artista vê como grandes momentos de superação, poderiam servir como uma enorme sombra de comodismo. Contudo, no passado dia 20 de Outubro, aos 58 anos, o homem-estátua pôs-se à prova novamente e conseguiu conquistar mais um recorde da Mais Longa Performance em Estátua Viva, agraciado por um total de mais de 7 horas a suportar a dor e o cansaço.

© DR
A actuação foi feita no contexto do Dia Mundial da Osteoporose, uma doença que abala os ossos de 800 mil portugueses e é responsável por cerca 40 mil fraturas ósseas por ano.
“Além de cansado fisicamente sinto-me renovado animicamente. Este último recorde em tempos de pandemia foi um alerta para a existência de outras doenças para além da Covid-19, que estão a ser esquecidas e postas de lado. Serviu também para mais um alerta para a situação dos artistas de rua em Portugal e ainda para mostrar que ainda por cá ando com forças para a luta.”
Artista de Rua em tempos de pandemia
São números impressionantes e que convocam o orgulho na arte de rua portuguesa, mas que trazem a experiência de alguém que já foi recebido de várias formas pela parte governamental. Há diferenças assinaláveis entre os países, nomeadamente nas permissões para actuar nas ruas, sendo bem mais fácil nuns do que noutros.
Em Portugal as condições são precárias e António Santos nunca deixou de lutar a favor dos direitos dos artistas de rua. Em tempos de pandemia a situação complicou e afectou os protagonistas “quase a 100%”.
“Estamos todos com muita dificuldade em sobreviver com os ganhos da nossa arte e o estado teima em não nos reconhecer e ajudar. Se o governo nos continuar a ignorar tenho já uma acção bem forte preparada para o início de 2021.”

Os próximos desafios
Com tanto caminho calcado, o Staticman já inspirou muitos sonhadores. As viagens enriqueceram-no e o artista foi contribuindo para opulentar as vidas com que se foi cruzando.
O Jardim sem limites, de Lídia Jorge, e Statiskman, do norueguês Klaus Haggerupp, são livros inspirados na vida do homem-estátua. Até o grupo de jazz Idéfix tem, num dos seus álbuns, uma música dedicada ao António, chamada, precisamente, Estátuas.
Agora é a vez do artista dedicar uma obra literária ao próprio e aos registos que o rodeiam. Em curso está a elaboração de um livro No Pedestal da Vida, que irá ser a “alter-auto-biografia” do homem-estátua, do qual te deixo um pequeno excerto.
“Pedi à minha mãe para me fazer umas sandes e disse-lhe que ia dar uma volta, que já vinha. Fui ter com um amigo que tinha motorizada e me deu boleia até à “auto-estrada” desse tempo, ou seja a N1. No caminho, outro amigo, deu-me uma nota de 10 francos que só muitos meses depois foi trocada. Despedi-me do amigo da motorizada nas bombas de gasolina das Pedreiras e comecei à boleia a epopeia, que longe estava eu de saber, seria mundial. Na mochila, uma mini tenda, umas roupitas, um saco cama, um dicionário Francês-Português, uma navalha, um caderno, uma caneta e as sandes.”
E assim se constroem vidas.
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Agradecido por tão singelo registo da minha atitude artística. Abraço amigo João!
Obrigado nós, António, pela tua disponibilidade. Foi um honra escrever sobre uma figura tão icónica nas artes de rua como tu. Um abraço enorme!