Num festival de música electrónica psicadélica, lembro-me muitas vezes do Sérgio Godinho e dos versos “Cansados vão os corpos para casa / Dos ritmos imitados de outra dança”, parte da lindíssima canção Lisboa que Amanhece. A letra salta-me para a ponta da língua, precisamente quando vejo estes corpos que peregrinam para a área dedicada ao Chill Out, como Meca do merecido descanso. São festivaleiros que vão aparecendo ao longo do dia ou da noite, como gotas de água estafadas de um mar de estímulos e que preenchem algumas das assoalhadas de um lar improvisado.
Mas as casas fazem-se de gente e de movimento. Uns entram, outros saem. Uns querem descansar, outros vieram para ficar. Assim é composto o público de Kala Hari, que nunca sabe muito bem o que lhe vai sair na rifa. O Chill Out não se faz só para cansados, aliás muito pelo contrário. Nos últimos anos, tem-se reinventado a musicalidade destes espaços, com novas adaptações de dubs, bafos de breaks ou rastos de techno, sem nunca perder a familiaridade com o psicadélico. Aqui corre tudo bem, para quem se abana com danças de movimentos circulares. Quando o groove comanda a anca, deixa-te estar, porque não estás mal, e as muitas tendências que correm pelo Chill Out têm cada vez mais um teor dançável.
Kala Hari faz parte deste espectro transitivo, entre a música ambiente e a electrónica para bailar. Produtor de Chill Out há sensivelmente 10 anos, já conta com uma presença muito significativa em festivais nacionais, como Utopia Boom Landing (After Boom festival), Freedom Festival ou o ZNA. Lá fora fez dançar o Shankra Festival (Suiça), o Global Chill Out (República Checa), o Midnight Sun Festival (Noruega) e ainda realizou uma tour pela Irlanda em 2015. Está neste momento ligado à Moondance crew, uma editora e promotora portuguesa.
Não fosse este Verão atípico e traiçoeiro para os artistas em geral, e Helder Martins aka Kala Hari, teria pisado outros palcos, como tem vindo a ser habitual nos últimos anos.
“De uma forma ou de outra, a pandemia acho que nos afectou a todos, principalmente na área artística. E sim, tinha algumas gigs marcadas para Portugal e Internacional também. Foram todas canceladas! Ainda assim foi possível levar a música do projecto Kala Hari ao Healing Festival na República Checa nos inícios de Agosto.”
A discografia
2020 já marcou pontos para o trabalho de Hélder Martins, que lançou o single Voices of Hope, aproveitando uma maré de confinamento que também pode ser criativa. Aliás, o título da faixa é um comentário certeiro à sua sonoridade inspiracional, à personalidade optimista do autor e aos próprios tempos que correm.
Antes disso, em 2018, lançado pela Mystic Sound Records, Kala Hari deu-nos a conhecer No Sorrow, um EP de experiências e novas conquistas. Se em Land of Solar Dust (2013), o seu primeiro e único longa-duração, o produtor pisa e domina as raízes do Chill Out, com um álbum de estreia extremamente sólido, a soar aos clássicos Carbon Based Lifeforms ou Entheogenic, com as suas sonoridades espaciais, em No Sorrow existe uma expressão mais gravítica. Comprova-se logo na primeira faixa, Oboé Dub, com um Dub Roots muito pronunciado, que de forma progressiva se vai enchendo e nos vai envolvendo. É uma das minhas faixas preferidas de Kala Hari, mas eu sou suspeito, porque o Dub faz-me pingar a barriga com borboletas, além de ser fanático por música que me abraça.
Este EP, No Sorrow, de três temas, conta ainda com uma sonhadora e cheia de grove, Africa Boat Land, e com a prova de que a experiência musical de Helder Martins autoriza-o a brincar com as suas novas tendências de forma exemplar, com a homónima do seu EP. Um tema que nunca esquece as origens psicadélicas da sua sonoridade, mas com beats que nos transportam para o Drum and Bass.
Aliás, estes novos trilhos já vinham sendo desbravados em 2014, com o EP Into a New Dawn, lançado pela Uxmal Records. São novamente três temas, que se completam entre si e contam a história do processo criativo do projecto Kala Hari. Em Curandero há um segundo plano muito agradável de percussões orgânicas, a carne das unhas do psy chill de Hélder Martins. Em Dubquest, junta-se novamente o dub. E finaliza com o tema Into a new Dawn, que mostra um lugar mais negro trazido pelos sons do techno e do trance progressivo.
Os sons que rodeiam Kala Hari
O assunto não acaba aqui. A electrónica de Helder Martins tem espaço e vontade para encontrar outros alter egos. Gayalaxy, surgiu como um irmão mais novo, mas que depressa deixou de ser um fenómeno alternativo, colocando-se lado a lado com a qualidade e o sucesso de Kala Hari. Primeiro EP editado em 2017, Eyes of God, e em 2018, lança o álbum Ashes of Time, que impulsionou novas e boas gigs, muitas delas internacionais.
A sonoridade de Gayalaxy prende-se com um ritmo 4×4, com características de progressive chill out.
Por fim, temos um projecto incubado durante os estranhos modos da Primavera passada. Foi um tempo de revirar baús, de lembrar do que não foi feito e de renovações por vezes importantes. O Hélder seguiu a corrente e lançou Rewild.
“Este confinamento obrigatório viu nascer um novo projecto musical há muito guardado na gaveta, chamado ReWild, que estreou com o lançamento do primeiro single e videoclip Respira“
Onde podes encontrar Kala Hari
Se quiserem ouvir mais sobre Kala Hari, visitem os seguintes links: