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Livro Mata-Ratos | Capítulo VIII | Uma Trilogia Portuguesa

Sejam bem-vindos/as ao Capítulo VIII do livro dos Mata-Ratos.

Mata-Ratos

Sejam bem-vindos/as ao Capítulo VIII do livro dos Mata-Ratos. Estou muito feliz de o feedback, até ao dia de hoje, ter sido muito positivo. Vamos lá ver se eu não arruino isto tudo com o oitavo conto, “Uma Trilogia Portuguesa“! Dizem que os tornados ciclónicos literários são muito comuns. Eu não sei, para dizer a verdade. E espero que não me apareça nenhum esta semana!

Como há sempre a (grande probabilidade) de haver pessoas que não leram os primeiros capítulos, ou que não têm a mínima ideia de que estou a falar.

Assim sendo, deixo abaixo alguns links: uma introdução e contextualização deste livro, que nunca chegou a ser editado, e também os primeiros capítulos! Recomenda-se a leitura!

Contextualização:

Capítulos:


Como funciona o livro?

Aviso desde já que esta não é uma biografia da banda.

Este livro são pequenos contos literários e fantasiosos, baseados nas canções dos Mata-Ratos. Este projecto, está dividido por vários capítulos, que serão publicados a cada sexta-feira.

Cada capítulo é narrado de forma independente, sempre na primeira pessoa de um diferente personagem. Existe fio condutor que, aos poucos, é criado entre os diferentes 33 contos. Por fim, é dado um sentido comum a todos.

Ou seja, entre as diferentes histórias existe um universo “mata-ratiano”, que é descortinado de forma lenta mas coesa, a meu ver. Neste caso, este “Cães de Cristo” (o então título do livro, que foi o primeiro nome dos Mata-Ratos), cada acontecimento é um mundo por si só e os personagens vivem todos no mesmo universo, embora em espaços distintos.

Não quis limitar-te a um só género de narrativo. Cada capítulo é único por si só. Admito que a leitura, ao início, possa ser um pouco confusa e difícil de interpretar. Mas, aos poucos, vai-se entranhando. Tal como a música dos Mata-Ratos, há escritos agressivos, sexuais, outros divertidos, sarcásticos e até ironias que, à primeira impressão, possam fazer pouco sentido.

Escolhi assim escrever textos “comuns”, passando por poesia, manifestos, telegramas, entre outras metamorfoses musico-literárias.

Gosto muito da ideia de um universo literário. E ainda mais, de um universo literário punk.


Aviso! (Importante)

Tal como as letras dos Mata-Ratos, algumas partes dos textos possam parecer “vulgares” e indecentes. Mas para quem conhece o grupo, e principalmente o seu conteúdo lírico, isto não é nada de novo.

Assim sendo, é tido como como princípio comum que o conteúdo lírico “obsceno” dos Mata-Ratos não tem como intenção ofender ninguém mas sim chamar à atenção a séria questão de problemas sociais mais abrangentes, através de uma linguagem mais forte e polémica. E, desta forma, os textos literários deste livro baseiam-se nesse mesmo género de canções. Por consequência, os contos também possuem uma linguagem robusta, à semelhança do conteúdo literário do grupo lisboeta.

Caso não estejas de acordo com este tipo de expressão, e conteúdo lírico, recomenda-se que não prossigas à leitura deste artigo e capítulo.


Resumo e Contextualização

Para ajudar um pouco à compreensão de cada capítulo, decidi incluir uma pequena explicação sobre o contexto onde o personagem se encontra, a música na qual o capítulo foi baseado e a respectiva letra. O livro conta com 33 capítulos porque, em 2015 (altura em que realizei este projecto), esse era o número de anos de existência da banda (est. 1982).

O I Capítulo encontra a sua essência na música “És um homem ou és um rato?” (Ataque Sonoro, 2004). Como podemos ver na capa do álbum, existem três personagens: uma chelsea skinhead, um street punk e um terceiro tipo, que não nos é possível descortinar a sua identidade e, deste modo, houve uma confrontação entre 3 sujeitos.

O capítulo II encontra a narração realizada pelo famoso personagem “Rei da Noite” (álbum “És um homem ou és um Rato?”, Ataque Sonoro, 2004). Um dos personagens do II Capítulo cruza-se com este colega da Night.

Neste III capítulo, encontramos um texto baseado no famoso tema “Armando É Um Comando” (“Rock Radioactivo”, EMI, 1990). Desta forma, entendemos que o narrador do conto é o personagem “Armando” (antes de ingressar na vida militar). Este encontrou-se com o “Rei da Noite” (“És um homem ou és um rato?”, Ataque Sonoro, 2004) no segundo capítulo, tendo sido o mesmo o comprador da droga que o “Rei” lhe providenciou.

Depois do IV Capítulo, “Putas ao Poder“, a linha narrativa musical dos infames Mata-Ratos apresenta-nos assim o V Capítulo e o mundo da obscenidade carnal do Zulmiro Pascoal. Para quem desconhece, ele é um tarado sexual e vem apresentar-nos o partido ideal: CCM. É-nos assim dado a conhecer o Manifesto político que o Secretário-Geral do partido CCM escreveu em 1990 e, passados 30 anos, veio finalmente à tona! Será que Zulmiro Pascoal tem possibilidades de ganhar as eleições nacionais este ano?

No VI Capítulo, é-nos apresentando um novo personagem da Musgueira, cuja identidade não nos é descortinada, e que se encontra revoltado com a situação política vigente.

Chegando ao VII Capítulo, encontramos uma inspiração literária na fusão dos temas “Traumatismo Ucraniano” (“Novos Hinos Para A Mocidade Portuguesa”, Rastilho Records, 2007) e “Inocente O Doente” (“Mata-Ratos” demo cassete, Edição de Autor, 1988). Este personagem, tal como relata a canção, imigrou da Ucrânia a Portugal mas a sua vida não melhorou. Na verdade, é-nos dada a impressão que piorou.

Por fim, estamos no VIII Capítulo. Retratando o estereótipo do Zé Povinho de uma forma irónica e sarcástica, os Mata-Ratos apresentam-nos “Uma Trilogia Portuguesa“. Esta é uma canção inspirado no folclore português e possui uma crítica político-social relativamente ao comportamento erróneo da nação portuguesa. O nosso personagem de hoje é a caricatura desse Zé Povinho, que admira os 3 “F” da ditadura de Salazar: Fado, Futebol e Fátima. Para além de possuir tendências racistas e xenófobas (o narrador odeia ucranianos), é também um golpeador de mulheres. Enfim, o retrato de uma triste realidade portuguesa.


E agora?

Este é o oitavo capítulo do livro e estou ainda a ajustar e moldar a forma como seguir-se-ão os restantes. Deixa-me comentar-te que a introdução ao livro é tão extensa quanto o próprio o capítulo em si. Isto deve-se ao facto que, na minha humilde opinião, o contexto e explicação destes pequenos contos são uma parte inerente e crucial do livro.

A meu ver, no equilibrio geral das coisas, a contextualização encontra o mesmo grau de importância que os capítulos. Um não pode co-existir sem o outro, de forma a prevalecer um total entedimento da escrita “mata-ratiana“.


Música “Uma Trilogia Portuguesa”


Letra “Uma Trilogia Portuguesa”

Se perco esse trem
Que sai agora à 11horas
Só amanhã de manhã e além disso mulher tem outras coisa
Minha mãe não dorme enquanto eu não chegar
Sou filho único
Tenho a minha casa para morar
Não posso ficar, não posso ficar

O orgulho deste povo
Que não é bem sucedido
Dá-lhe o nome de fado
Canto triste e deprimido
Ela é a nossa Amália
Que dá voz a Portugal
Dos brutos e analfabetos
Dos trolhas e calgeiral
Cunhas que tocam guitarras
Perpetuando as desgraças
O cantar das ladaínhas
Arrastando o cu nas tascas
Portugal dos pequeninos
Da mentalidade tacanha
Onde se fazem elogios da preguiça e da manha

A moral de beata, espirito de sacristão
De joelhos até Fátima
Mendigando perdão
Choram leite derramado
Por cometer o pecado
Para o ano voltarão
Se o caldo entornado
Tudo pode ser perdoado
Com algumas orações
Até o voto errado, em ano de eleições

No país de marinheiros
O barco anda à deriva
Heróis do mar nobre povo só querem putas e pinga

A bola alegra a malta
O povo da vista estreita
Marca a porra do golo que a festa fica feita
À que pagar as cotas
E promover a riqueza
Primeiro está o clube
Só depois o pão na mesa
Podemos não saber ler
Ganhar é no futebol
O trabalho é só pó preto
P’ra nós é só tintol

Portugal dos pequeninos
Da mentalidade tacanha
Onde se fazem elogios da preguiça e da manha
No país de marinheiros
O barco anda à deriva
Heróis do mar nobre povo só querem putas e pinga


CAP VIII – DEUS, PÁTRIA E FAMÍLIA

Está tudo bem. O meu Benfica ganhou e este ano somos campeões com certeza! Políticos já sabemos todos que são uns filhos da puta. Mas os tempos tacanhos mudam e na verdade trabalho e continuo a trabalhar. A crise é fodida mas dá-me para sobreviver. Mando vir mais uma Sagres e peço ao patrão da tasca para desligar a TV, que estão para ali uns comunistas a falar do perdão fiscal e mundos novos e o caralhos que os foda. Epah, com esses vermelhos já sabemos bem como acaba a história. Por isso é que de vermelho tenho apenas o meu Benfica. Não confio em mais nenhum!

“É mais uma pinga para aqui, ó chefe!”.

Esta é a minha segunda casa. Na tasca encontro os meus amigos e de preguiça e manha não temos nada. Bem sei que falam de nós, mas somos mais esperto que eles. Eu cá sou bom português! Cumpro os meus deveres como cidadão! Vou à Igreja, pago as quotas do clube e levo o pão para a mesa da minha família! As paredes deste santuário estão revestidas pela Amália, Fátima e Tony Carreira.

O patrão serve-me o tintol mas lá no fundo eu sei que não está tudo bem. Na verdade, as coisas podiam ser bem melhores. Isto no tempo de Salazar é que era bom. Não havia crise, não havia nada. Os imigrantes nem cá punham os pés. Ucranianos e não sei mais o quê. Também a merda dos espanhóis bem que podiam ficar por lá. Nuestros hermanos, o caralho. Bebo o tintol e, porque é o sangue do Senhor, peço mais um! Siga Mané!

Depois de uns quantos copos, sei que às vezes não me porto bem. Dou uns estalecos na Maria, mas ela também merece. Enfim, só Deus sabe o quanto me esforço para manter esta família unida. Bem partilha da minha opinião o sacristão, quando todas as semanas lhe confesso sobre o quão difícil é manter na linha todos à minha volta.

O queixume é geral mas o que Portugal precisa é dos velhos heróis. O que os portugueses necessitam é da triologia Portuguesa. E eu vivo tudo isso.

Vivo, respeito e honro o Deus, pátria e família.

Fim.


Publicarei cada conto uma vez por semana no Portugarte, à sexta-feira, em honra à música Bezana Ska, onde o pessoal sai precisamente nesse dia para embededar-se e divertir-se.

A ideia deste livro é precisamente esta. Criar uma bebedeira colectiva literária, onde somos imergidos pelo álcool das boémias palavras e música dos Mata-Ratos. Vemo-nos na tasca! Até breve compas!


Sugestões, caricas, cartas de amor ou de “sentir o ódio”? É escrever-me!


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Etiquetas: , , , , , , , , , Last modified: Agosto 21, 2020