Sejam bem-vindos/as ao segundo capítulo do livro dos Mata-Ratos, “Cães de Cristo“. Estou muito feliz de o feedback, até ao dia de hoje, ter sido muito positivo. Vamos lá ver se eu não arruino isto tudo com o segundo conto! Dizem que os tornados ciclónicos literários são muito comuns. Eu não sei, para dizer a verdade. E espero que não me apareça nenhum esta semana!
Como há sempre a (grande probabilidade) de haver pessoas que não leram o primeiro capítulo, ou que não têm a mínima ideia do que estou a falar. Deixo abaixo dois links: uma introdução e contextualização deste livro, que nunca chegou a ser editado, e o primeiro capítulo do mesmo! Recomenda-se a leitura!
Mas o que diabos está este gajo a falar? O que é este “quase-livro?”
Capítulo I – “És um homem ou és um rato?”
Como funciona o livro?
Aviso desde já que esta não é uma biografia da banda.
Este livro são PEQUENOS contos literários e fantasiosos, baseados nas canções dos Mata-Ratos. Este projecto, está dividido por vários capítulos, que serão publicados a cada sexta-feira.
Cada capítulo é narrado de forma independente, sempre na primeira pessoa de um diferente personagem. Existe fio condutor que, aos poucos, é criado entre os diferentes 33 contos. Por fim, é dado um sentido comum a todos.
Ou seja, entre as diferentes histórias existe um universo “mata-ratiano”, que é descortinado de forma lenta mas coesa, a meu ver. Neste caso, no “Cães de Cristo” (o então título do livro, que foi o primeiro nome dos Mata-Ratos), cada acontecimento é um mundo por si só e os personagens vivem todos no mesmo universo, embora em espaços distintos.
Não quis limitar-te a um só género de narrativo. Cada capítulo é único por si só. Admito que a leitura, ao início, possa ser um pouco confusa e difícil de interpretar. Mas, aos poucos, vai-se entranhando. Tal como a música dos Mata-Ratos, há escritos agressivos, sexuais, outros divertidos, sarcásticos e até ironias que, à primeira impressão, possam fazer pouco sentido.
Escolhi assim escrever textos “comuns”, passando por poesia, manifestos, telegramas, entre outras metamorfoses musico-literárias.
Gosto muito da ideia de um universo literário. E ainda mais, de um universo literário punk.
Aviso
Tal como as letras dos Mata-Ratos, algumas partes dos textos possam parecer “vulgares” e indecentes. Mas para quem conhece o grupo, e principalmente o seu conteúdo lírico, isto não é nada de novo.
Para os leitores do Brasil, a denominação “puto” em Portugal não possui qualquer tipo de conotação homofóbica. É uma expressão de amizade informal usada entre amigos/inimigos e conhecidos/desconhecidos e que, na verdade, significa “criança”. Além deste sentido, também pode ser usada nos seios familiares para definir literalmente os seus infantes.
Contextualização
Para ajudar um pouco à compreensão de cada capítulo, decidi incluir uma pequena explicação sobre o contexto onde o personagem se encontra, a música na qual o capítulo foi baseado e a respectiva letra. O livro conta com 33 capítulos porque, em 2015 (altura em que realizei este projecto), esse era o número de anos de existência da banda.
Este capítulo II encontra a narração realizada pelo famoso personagem “Rei da Noite” (álbum “És um homem ou és um Rato?”, Ataque Sonoro, 2004). Como nos recordamos, no capítulo passado, houve uma confrontação entre 3 sujeitos e, para deixar-vos curiosos mas não spoilar a leitura, deixem-me dizer que um desses personagens cruza-se com este colega da Noite. Esta é a primeira intersecção narrativa de personagens, neste livro. Mas muitas mais virão!
Para além disso, existem alguns easter eggs no discurso dos personagens:
- “Eu não quero que me fodam a cabeça“, é o primeiro verso do refrão “Outra Rodada” (álbum “Novos Hinos Para A Mocidade Portuguesa“, Rastilho, 2007).
- Aquando do diálogo, são referidos trechos do álbum “És um homem ou és um rato?” (Ataque Sonoro, 2004)
- As “Leis de Merda” (“Sente o Ódio“, Fast’n’Loud, 1999) também marcam a sua presença, neste conto.
- Por último, há quem sofra a famosa “Paralisia Cerebral” (EP “Xu-Pá-Ki 82-97“, Drunk Records e Fast’n’Loud, 1997), e um dos nossos personagens também parece padecer do mal ser de ser “anormal“. Usei assim um adjectivo antitético para fazer uma referência ao quarto verso do refrão desta canção: “Nunca mais voltarei a ser normal“.
E agora, ó mestre?
Este é o segundo capítulo do livro e estou ainda a ajustar e moldar a forma como seguir-se-ão os restantes. Deixa-me comentar-te que a introdução ao livro é quase tão extensa como próprio o capítulo em si. Isto deve-se ao facto que, na minha humilde opinião, o contexto e explicação destes pequenos contos são uma parte inerente e crucial do livro.
A meu ver, no equilibrio geral das coisas, a contextualização encontra o mesmo grau de importância que os capítulos. Um não pode co-existir sem o outro, de forma a prevalecer um total entedimento da escrita “mata-ratiana“.
Música “O Rei da Noite”
Letra “O Rei da Noite”
És o rei da noite não vás esquecer
Na pista de dança o mundo vais ter
Sais para a noite só queres é curtir
No bucho a pastilha começas a abrir
Não queres pensar na merda do trabalho
A segunda-feira que vá com o caralho
Só queres sedativos só queres speedar
Mas o teu cerebro começa a fritar
Rei da noite
No bucho a pastilha sempre a dançar
Rei da noite
Dependente quimico não podes parar
Ouves martelos sempre a rasgar
Na cabine o dj está a bombar
Loucura da noite suor de garinas
Mais uma pastilha nunca desatina
Não queres pensar no efeito secundário
Sem as pastilhas sentes-te otário
Só queres batimento só queres pastilhar
Mas o coração começa a falhar
O joão baião e o pantaleão
O macaco adriano e o dj é bacano
És o rei da noite não podes parar
És o rei da noite sempre a dançar
És o rei da noite sempre a bombar
És o rei da noite o teu fim a chegar
CAPÍTULO II – “O Rei da Noite”
“Corta la essa linha.”
“Passa-me aí o teu cartão de crédito.”
“Para quê?”
“Como assim para quê?“, pensei eu.
Mas que menino do caralho. Quem sabe andar nesta merda sabe perfeitamente pra que é um cartão às 5 da manhã. Mas claro que um patrão como eu não responde assim. Estamos na disco e eu estou a vender pó. Um dealer tem que ter elegância com os clientes ou então acaba a vender merda aos junkies da valeta.
“Para fazer magia, vá lá”, respondi com um sorriso cortado. E é assim para os amigos. A meiguice que vá para o caralho.
A disco é iluminada e estamos numa mesa escondida, no primeiro andar, onde praticamente ninguém nos rodeia. Tiro o saquito com cuidado, abro-o e ali espalho meia grama no tampo de vidro. Antes de cortar o material, lambo o plástico e passo uma nota enrolada ao puto.
Snifamos a branca e, como sou um gajo porreiro, ofereço-lhe uma pastilha. Ele passa-me 50 mocas para a mão e vai para a pista de dança. Parvo do caralho. O que me vale são cornos como tu que me pagam a vida.
Encosto-me ao balcão e bebo uma jola. Duas e três seguem-se. O pó começa a subir-me à cabeça e começo a sentir a moca deste celestial doce açúcar. A confiança sobe-me aos céus e nem preciso dominar a pista de dança. Já todos sabem quem manda aqui.
“Ó chefe, é mais uma rodada”.
Nisto vem um bacano e começa a socializar. Já conheço muito bem estes artistas da noite, querem é conversa fiada. Então alinhei, ouvi-o e, passado um bocado quando já estava farto da treta, provoquei-o:
“Então não te vi a levar nos cornos outro dia?“
“Yah, punks de merda“. Começou a falar, falar, falar e não se calava com a história da cuspidela, do rato e não sei o quê, das leis que são uma merda.
Eu sei lá. A minha cabeça gira a mil e vem-me este caralho agora cagar palavras pró meu ouvido. Eu só quero que não me fodam a cabeça. Tudo menos isso a esta hora. Mando vir mais uma rodada e dou uma fuga muita rápida.
Aparecem-me sempre anormais a queimarem-me a cabeça. Não sei porquê. Parece que atraio sempre estes personagens. Se ficasse mais um bocado a ouvir este anormal, ainda me dava uma paralisia cerebral.
Escapei-me, mas foi por pouco tempo. Estou aqui dominar a pista e a mandar alta estilo com os meus moves. Mando mais uma pastilha enquanto bebo um ganda vodka red bull e… alguém toca-me no ombro!
Aparece-me o puto outra vez. Quer comprar speed. Dass, acho que julguei mal o gajo. Domingo à noite e ele com este andamento. Afinal, parece que ele sabe mesmo andar nesta merda.
Oxalá todas as noites fossem como esta. Sou mesmo um rei. O rei da noite, foda-se.
Fim.
Publicarei cada conto uma vez por semana no Portugarte, à sexta-feira, em honra à música Bezana Ska, onde o pessoal sai precisamente nesse dia para embededar-se e divertir-se.
A ideia deste livro é precisamente esta. Criar uma bebedeira colectiva literária, onde somos imergidos pelo álcool das boémias palavras e música dos Mata-Ratos. Vemo-nos na tasca! Até breve amigos/as!
Sugestões, caricas, cartas de amor ou de “sentir o ódio”? É escrever-me!