Guitarrista da banda de rock LVI, Luís Nunes marcou a sua presença no Portugarte, há uns dias atrás, com uma fantástica entrevista ao canal do Youtube “Baú do Rock Albicastrense“. A sua arte deixou-nos deveras intrigados e convidamo-lo assim a dar a conhecer as suas perspectivas culturais e artísticas. Para além disso, tivemos também a oportunidade de descortinar várias novidades sobre os futuros trabalhos dos LVI.
Primeiramente, poderias explicar-nos o significado do nome da banda? E relativamente à livre ave do vosso EP “ASAA”, e o consequente mundo ao contrário: existe um conceito estético que possamos descortinar?
O nome surge de uma variante de uma alcunha que tenho que é Louie, lido será LÚI.
Mas ao mesmo tempo, não queria que fosse algo demasiado relacionado com o meu nome, até porque sabia que se as coisas ganhassem mais corpo, precisaria de uma banda e sendo o caso, um nome mais de banda.. Ao início quando falei com o Joka (Designer) apenas sugeri o melro, que é um elemento importante para mim e de certa forma, sinto que me acompanhou pela vida fora. Ele é que introduziu a paisagem albicastrense invertida, sublinhando a ideia que independentemente do mundo estar virado do avesso temos de continuar a bater as asas e voar, a maior parte das vezes rumo ao imprevisível.
A nosso ver, os LVI possuem um ethos DIY (do-it-yourself), gravando e produzindo desta forma o seu último EP. Assim sendo, poderão dizer-nos qual será o papel a ser desempenhado pelos músicos independentes portugueses, nos dias de hoje, enquanto criadores, editores e distribuidores da sua arte?
Felizmente todos nós em LVI temos conhecimento de Produção Musical, até porque é a nossa área de estudo e isso facilitou bastante o processo. Pois para além do conhecimento da matéria, conhecemos pessoas da área, fomos mostrando a vários amigos e tivemos ajuda também de professores e colegas do curso de Música Eletrónica e Produção Musical para chegar ao produto final, nomeadamente do Miguel Urbano e da turma de 2017/2018.
Acho que não há um guião de como agir, depende do nosso conhecimento, do material disponível e de quem conhecemos. Há imensos programas para trabalhar, há material que se pode adquirir a bons preços ou alugar e há também profissionais na área da Produção no princípio de carreira que praticam bons preços e procuram uma oportunidade de se mostrarem também.
Mas aconselho a qualquer músico a aprender a gravar e ir gravando o seu material. Foi e é uma ferramenta muito importante para mim enquanto músico e para os LVI, que nascem de ideias que fui gravando e trabalhando ao longo dos anos.
Por isso a melhor maneira é investir. Adquirindo material aos poucos e investir tempo em tutoriais e por as mãos na massa. No que toca à distribuição, o Youtube é gratuito, tal como o Soundcloud e Bandcamp. No entanto, há sites que por uma quantia simpática fazem a distribuição dos conteúdos numa quantidade enorme de plataformas digitais sendo o Spotify e Apple Music os mais conhecidos.
Embora os LVI sejam de Castelo Branco, sabemos que o guitarrista e vocalista Luís Nunes, aquando dos seus estudos universitários, passou pelas repúblicas conimbricenses. Sendo que os referidos focos estudantis exercem um importante poder de materialização artística de muitas personalidades de culto (José Mário Branco, Zeca Afonso, Vinicius Moraes, entre outros), qual a influência cultural que essas “casas”, e Coimbra, exerceram na criação musical da banda? É possível observar alguns planos da cidade estudantil, e da República dos Kágados, no vosso videoclip “Asa”. Questionamo-nos assim se temas como “Verdes Anos Negros” serão uma feliz coincidência musical ou tal indica-nos a presença de uma referida influência “paredesiana” (relativa a Carlos Paredes)?
Acima de tudo exerceram e ainda exercem um papel importante na minha vida. É um elemento bem presente em alguns dos meus projectos, até porque compus muita música enquanto estudante em Coimbra e residente nos Kágados. O próprio EP de LVI é maioritariamente escrito lá, 3 das 4 músicas. O Vasco e o Toscano são da zona de Coimbra e o primeiro concerto foi nos Kágados também, numa comemoração do 25 de Abril. Ou seja, sentimo-nos de Coimbra também.
Este ambiente de poesia e intervenção influenciou bastante a minha escrita, até porque pouco antes tinha deixado de escrever em Inglês e andava à procura do meu espaço na língua portuguesa.
A Verdes Anos Negros surge quando eu estava a ir para o Teatro Académico Gil Vicente, onde prestava serviços como Assistente de Sala. No caminho, a descer a rua Padre António Vieira, cruzo-me com um cartaz de um festival de tunas chamado “Verdes Anos” mas o cartaz estava impresso a preto e branco e não tinha muita qualidade.. Então pensei “Verdes anos mas estão bem negros” e é daí que surge tudo. Nesse dia enquanto trabalhava, foram surgindo outras ideias, apontei para não esquecer e nos dias que se seguiram continuei a desenvolver a ideia musicalmente e liricamente. A nível lírico tive a ajuda da Joana Jeremias que escreveu umas ideias sobre o tema enquanto tocava e acabei por retirar palavras e frases que acabaram por ficar na letra. A temática da música está muito relacionada com Coimbra e com a frequência que esta emana. A música fala de uma saudade do passado (muitas vezes ilusório) que era belo e já não volta, mas o mais importante é que se quisermos podemos criar coisas novas mais belas ainda no presente e para o futuro. Tem muito esse lado de nos erguermos e lutarmos pelo que achamos belo.
É impossível escapar à questão do COVID-19 e do seu impacto na indústria musical de Portugal. Como promover a arte portuguesa no meio de uma pandemia mundial? Sites como Gigs em Casa promovem o livestream de concertos, tais como os recentes eventos que contaram com os Peste&Sida e PAUS. Qual a tua opinião sobre a digitalização da música ao vivo? De que forma os LVI abordaram esta questão e como tem comunicado com o seu público durante este período?
Acho que a maior parte das bandas se promoveram a elas mesmas, as redes sociais têm um papel bastante importante não só como fator modulador da imagem mas também como um elemento de comunicação directa entre o artista e o público. Acho que esse tipo de iniciativas são importantes e acho bem que aconteçam, no entanto, são poucos os que têm acesso a esse privilégio.
As bandas mais underground, ou numa fase de crescimento, viram todas as datas canceladas e há o sentimento de que tão cedo este tipo de eventos não voltará. Ficando as cartas nas mãos das autarquias, pois são as únicas entidades que podem organizar este tipo de eventos nesta fase de pandemia. Espero que não se esqueçam que a cultura não é só o mainstream e que convém apoiar os projectos mais pequenos ou em crescimento. Pois estes têm um impacto directo para com os jovens localmente, especialmente a nível social. E também porque qualquer projecto pequeno se pode tornar grande um dia. Acho que cabe às autarquias estarem atentas ao que se passa nas suas localidades e apoiar todas as formas de cultura, nunca se sabe quando um projecto que nasce como uma brincadeira ou um convívio se pode tornar em algo relevante a nível nacional ou até internacional e com apoio as coisas tornam-se mais fáceis.
Em LVI lançámos um videoclip e em breve vamos lançar outro. Até agora tivemos um feedback positivo e sentimos o impacto que um vídeoclip tem nos dias de hoje e o impacto que teve por ter saído durante a quarentena. Houve muita comunicação do público já existente, conseguimos chegar a pessoas novas e conseguimos mais seguidores.
Infelizmente não tivemos possibilidade de nos juntar por motivos pessoais. Por outro lado, houve tempo para a composição e o álbum novo foi desenhado nesta quarentena, faltando ainda corrigir umas linhas e colorir. Neste momento, ainda só há demos.
Como encaras o circuito musical português na atualidade? As já existentes editoras/produtoras musicais e casas de espetáculos proporcionam aos músicos portugueses a oportunidade de expor o seu trabalho ou o seu papel enquanto divulgadores de cultura revela-nos uma situação artística nacional que deixa a desejar?
Acho que há muita variedade e qualidade e vão aparecendo oportunidades para novos projectos se mostrarem mas acho que ainda não chega, podem haver mais chances para os projectos locais e mais pequenos se mostrarem. Em relação às editoras/produtoras não tenho muito a acrescentar pois nunca trabalhei com nenhuma. Sei no entanto que chegando a esse patamar, estas têm um papel nuclear na divulgação, distribuição e marcação de datas importantes para a exposição da banda, sendo os festivais de verão um belo exemplo.
Quando lançarão o seu novo trabalho? Gostaria que nos comentasses o novo conceito artístico do álbum e a vossa parceria com o artista plástico João Fortuna. Como surgiu essa ideia e de que forma é que a sua arte vem a complementar a música dos LVI?
Não temos data prevista para lançamento do disco, como mencionei anteriormente ainda só temos o molde do que será. Ainda terá que ser revisto por todos, levar o arranjo de banda, captar, misturar e masterizar. Ou seja, ainda é um processo trabalhoso e demorado.
O álbum explora um conceito de acasos que se tornam um todo, como se fosse um puzzle. As coisas têm acontecido para nós de forma natural, somos todos diferentes musicalmente, temos várias influencias e gostamos de ir navegando por esses mares e rios distintos, assim como sobrepô-los.
Esta ideia de camadas, joga directamente com o trabalho do outro mundo que o João tem desenvolvido. Somos amigos, já tínhamos falado em fazer algo juntos e então surgiu o convite para elaborar a estética visual do disco. No entanto, o design continuará ao encargo do João Nipo (Joka). Assim como toda a parte audiovisual e de comunicação irá continuar nas mãos do Colectivo Cardume, que têm feito um trabalho estupendo.
Chegando ao fim desta entrevista, quero agradecer o tempo dispensado e desejar boa sorte para a música dos LVI. Aguardamos assim com muita expectativa pelo vosso novo disco! Tens algumas palavras finais para o público português e os leitores do Portugarte?
Gostaria de agradecer o convite e felicitar a iniciativa deste projecto, agindo como uma montra para o que se faz em Portugal.
Gostaria de deixar um apelo ao público português em geral para apoiar todas as formas de cultura, especialmente os artistas locais, para que possam ter a possibilidade de chegar mais longe. Para isto, às vezes, basta criar o hábito de frequentar os eventos organizados por associações ou por grupos de jovens que promovam este tipo de projectos e artistas.